O ronco pode aumentar o risco de derrame cerebral

O ronco pode aumentar o risco de derrame cerebral?

O ronco pode aumentar o risco de derrame cerebral? O que realmente acontece quando uma pessoa ronca?

O ronco é o som produzido pela vibração dos tecidos da garganta — especialmente o palato mole, a úvula e as paredes faríngeas — durante a passagem do ar. Ele surge quando o fluxo respiratório encontra obstrução parcial das vias aéreas superiores, geralmente durante o sono.

Embora pareça apenas um incômodo sonoro, o ronco é, em muitos casos, um sinal clínico de colapso respiratório intermitente, como ocorre na apneia obstrutiva do sono (AOS). Nessas situações, o ar tem dificuldade de chegar aos pulmões, e o corpo reage com microdespertares, aumento da frequência cardíaca e oscilações da pressão arterial.

Com o tempo, essas variações fisiológicas podem exercer impacto direto sobre o sistema cardiovascular, aumentando o risco de hipertensão, arritmias e acidente vascular cerebral (AVC).

Qual é a relação entre o ronco e a apneia obstrutiva do sono?

Nem todo roncador tem apneia, mas quase todo paciente com apneia ronca. A apneia obstrutiva do sono (AOS) ocorre quando há bloqueio parcial ou total das vias aéreas por alguns segundos, interrompendo temporariamente a respiração.

Durante esse tempo, o oxigênio no sangue cai (hipóxia) e o dióxido de carbono aumenta (hipercapnia). O cérebro então envia sinais de alerta para reativar a respiração, o que causa microdespertares — breves ativações cerebrais que fragmentam o sono.

Esse ciclo de hipóxia e reoxigenação repetida gera estresse oxidativo e inflamação vascular, fatores que danificam o endotélio (a camada interna dos vasos sanguíneos) e aumentam a chance de formação de coágulos.

Em outras palavras, o ronco pode ser a ponta do iceberg de um distúrbio respiratório mais grave, com potenciais consequências neurológicas e cardiovasculares.

Como a apneia e o ronco afetam o sistema cardiovascular?

A fisiologia da apneia e do ronco está diretamente ligada à hiperativação do sistema nervoso simpático — o mesmo que prepara o corpo para situações de “luta ou fuga”.

Durante os episódios de apneia:

  1. O oxigênio cai (hipóxia).
  2. O cérebro reage aumentando a liberação de adrenalina e noradrenalina.
  3. O coração acelera e a pressão arterial sobe bruscamente.
  4. O despertar súbito restabelece o fluxo de ar.

Essas variações noturnas, repetidas dezenas ou centenas de vezes, provocam disfunção endotelial, rigidez arterial e sobrecarga hemodinâmica.

Com o tempo, esse processo leva ao desenvolvimento de hipertensão crônica, um dos principais fatores de risco para AVC isquêmico e hemorrágico.

Um estudo publicado no Journal of the American College of Cardiology (2018) mostrou que pacientes com apneia moderada ou grave têm até 2,5 vezes mais risco de AVC em comparação com indivíduos sem o distúrbio.

O que acontece no cérebro durante o ronco e a apneia?

Durante o sono normal, o cérebro mantém um equilíbrio delicado entre oxigenação e atividade neuronal. No entanto, os episódios de hipóxia intermitente causados pela apneia podem alterar esse equilíbrio.

Cada pausa respiratória reduz o fluxo de oxigênio cerebral. Isso aciona respostas vasculares compensatórias, como a dilatação dos vasos para aumentar o aporte de sangue. Contudo, a repetição desses eventos causa instabilidade da perfusão cerebral e estresse oxidativo sobre as células nervosas.

Com o tempo, esses mecanismos contribuem para:

  • Redução da plasticidade neuronal;
  • Inflamação crônica do tecido cerebral;
  • Diminuição da perfusão cerebral (fluxo de sangue no cérebro).

Essas alterações criam um ambiente propício para acidentes vasculares cerebrais (AVC) e declínio cognitivo progressivo.

O ronco simples também aumenta o risco de derrame?

O ronco primário, sem apneia associada, raramente causa danos diretos ao sistema cardiovascular. Porém, estudos indicam que roncadores crônicos apresentam alterações hemodinâmicas mesmo sem apneia diagnosticada.

Segundo pesquisa publicada no Sleep and Breathing (2021), o ronco intenso e frequente está associado a espessamento da parede carotídea, um marcador precoce de aterosclerose.

Isso ocorre porque a vibração sonora repetida durante o ronco pode provocar microtraumas nos vasos do pescoço, especialmente nas artérias carótidas, que irrigam o cérebro.
Esses microtraumas favorecem a deposição de placas ateromatosas, que podem levar à redução do fluxo sanguíneo cerebral e, em casos extremos, ao AVC isquêmico.

Portanto, mesmo o ronco sem apneia deve ser avaliado com atenção médica, especialmente se acompanhado de sonolência diurna, cefaleia matinal ou histórico de hipertensão.

Quais são os mecanismos fisiopatológicos que ligam o ronco ao AVC?

Os mecanismos que explicam a ligação entre ronco/apneia e derrame cerebral envolvem fatores hemodinâmicos, inflamatórios e metabólicos:

  1. Hipóxia intermitente: causa desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio cerebral.
  2. Inflamação sistêmica: aumenta os níveis de citocinas inflamatórias (IL-6, TNF-α).
  3. Disfunção endotelial: prejudica a vasodilatação e favorece coágulos.
  4. Hipertensão noturna: eleva a carga sobre os vasos cerebrais.
  5. Aterosclerose acelerada: devido ao estresse oxidativo e à inflamação crônica.

Esses fatores atuam em conjunto, comprometendo a integridade dos vasos cerebrais e facilitando o surgimento de acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos.

Quais são as evidências científicas que comprovam essa relação?

Estudos clínicos e populacionais têm reforçado a associação entre ronco, apneia e risco aumentado de AVC:

Essas evidências confirmam que o ronco crônico e a apneia não são apenas distúrbios do sono, mas condições sistêmicas com impacto vascular relevante.

Como é feito o diagnóstico do ronco e da apneia obstrutiva?

O diagnóstico inicia-se com uma avaliação clínica detalhada, incluindo histórico de sono, hábitos e sintomas relatados pelo paciente e por familiares.

1. Avaliação clínica

O médico investigará sintomas como:

  • Ronco alto e frequente;
  • Pausas respiratórias observadas;
  • Sonolência diurna;
  • Cefaleia matinal;
  • Dificuldade de concentração.

2. Polissonografia

A polissonografia é o padrão-ouro para diagnóstico. O exame monitora durante o sono:

  • Fluxo de ar nasal e oral;
  • Saturação de oxigênio (SpO₂);
  • Movimentos torácicos e abdominais;
  • Frequência cardíaca;
  • Atividade cerebral (EEG).

Com base nesses dados, é possível determinar o Índice de Apneia-Hipopneia (IAH) e classificar a gravidade da apneia.

Quais são as opções terapêuticas disponíveis?

O tratamento depende da causa e da gravidade do distúrbio respiratório.

1. Mudanças de estilo de vida

  • Manter peso corporal saudável;
  • Evitar álcool e sedativos antes de dormir;
  • Dormir de lado para reduzir o colapso das vias aéreas;
  • Praticar atividade física regular.

2. Dispositivos intraorais

Os dispositivos de avanço mandibular (DIAM) deslocam a mandíbula ligeiramente para frente, ampliando o espaço das vias aéreas e reduzindo ronco e apneia leve a moderada.

3. CPAP (Continuous Positive Airway Pressure)

O CPAP é o tratamento padrão para apneia moderada a grave. O aparelho mantém uma pressão positiva contínua nas vias aéreas, prevenindo colapsos durante o sono.

4. Cirurgias e terapias complementares

Em casos específicos, podem ser indicadas cirurgias para correção anatômica (como desvio de septo ou hipertrofia de amígdalas) e terapia miofuncional orofacial para fortalecer os músculos da garganta.

Perguntas Frequentes (FAQ)

O ronco sempre indica apneia?

Não. Nem todo roncador tem apneia, mas o ronco frequente pode ser um sinal de obstrução respiratória e deve ser avalia

Quem ronca tem mais risco de derrame?

Sim, especialmente quando há apneia obstrutiva associada, que causa hipóxia e inflamação vascular.

O CPAP reduz o risco de AVC?

Sim. O uso regular do CPAP melhora a oxigenação, reduz a pressão arterial noturna e protege os vasos cerebrais.

O ronco pode causar perda de memória?

Indiretamente, sim. O sono fragmentado e a baixa oxigenação cerebral prejudicam a função cognitiva.

O ronco pode ser prevenido?

Mudanças de hábitos, controle do peso e diagnóstico precoce da apneia ajudam a prevenir complicações.

Conclusão

O ronco é mais do que um simples ruído noturno — ele pode ser um sinal de alerta para doenças cardiovasculares graves, incluindo o derrame cerebral.

Quando associado à apneia obstrutiva do sono, o ronco reflete um ciclo perigoso de hipóxia intermitente, inflamação vascular e instabilidade hemodinâmica, que danifica lentamente os vasos cerebrais.

Reconhecer os sintomas precocemente e buscar avaliação médica são passos fundamentais para proteger o cérebro, o coração e a qualidade de vida.
Tratar o ronco não é apenas uma questão de conforto, mas de prevenção de eventos neurológicos potencialmente fatais.

Referências

  • Redline S, et al. Obstructive Sleep Apnea–Hypopnea and Incident Stroke: The Sleep Heart Health Study. N Engl J Med. 2010. PubMed
  • Yaggi HK, et al. Obstructive Sleep Apnea as a Risk Factor for Stroke and Death. N Engl J Med. 2005. PubMed
  • Szentkiralyi A, et al. Snoring and risk of stroke: population-based cohort study. Sleep Med. 2019. PubMed
  • Somers VK, et al. Sleep Apnea and Cardiovascular Disease: An American Heart Association Statement. Circulation. 2008. PubMed
  • Javaheri S, et al. Sleep Apnea and Cardiovascular Disease: Updated Review. J Am Coll Cardiol. 2018. PubMed

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Dr Paulo Coelho

Dr. Paulo Coelho é graduado em Odontologia e Psicanálise, com especialização em Ortodontia, DTM e Dor Orofacial. Possui Mestrado em Ortodontia e Doutorado em Psicanálise, com foco em Distúrbios do Sono e Odontologia do Sono.
Atua de forma integrada no tratamento do ronco, da apneia do sono e das disfunções orofaciais, unindo ciência e abordagem humanizada para promover saúde, bem-estar e qualidade de vida.

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